Os ‘três F’ – futebol, fado e Fátima – que sobreviveram à queda do anterior regime como símbolos da pacificação dos portugueses – deveriam na verdade ser quatro. Quem tenta tirar ou perturbar as nossas férias está a brincar com coisas sérias.
Em ano de eleições, era expectável que a habitual silly season que costuma começar com o encerramento do Parlamento, fosse menos tonta. Mas a seriedade dos temas que estão a marcar este verão tépido vieram aumentar de forma inesperada a temperatura na arena política.
A greve dos motoristas de matérias perigosas em abril poderá afinal ter sido apenas um preview do drama que poderá estrear com uma nova paralisação a 12 de agosto.
Em plena época balnear, poderemos ter de enfrentar novas filas nas bombas de gasolina. Com a novidade da participação dos motoristas de mercadorias, há a possibilidade de escassez de bens alimentares. Isto para não falar na disrupção nos serviços de transporte, saúde, cuidados dos idosos e crianças, proteção civil e defesa.
Na greve de abril, o Governo foi criticado por não ter alertado os portugueses a tempo e pela ausência de um plano de contingência. O Executivo de António Costa parece, no entanto, ter aprendido a lição.
À medida que o braço de ferro entre motoristas e patrões se prolonga, e escala, membros do Governo já vieram a terreno anunciar a preparação de um plano de emergência, avisar os cidadãos que têm de se precaver e alertar que a greve poderá mesmo criar graves problemas.
Através deste misto de planeamento (embora ainda vago) e dramatização, António Costa parece estar a preparar o terreno para minimizar os danos políticos que o eventual caos poderá causar, a meras semanas das legislativas.
A tática poderá resultar. O Governo poderá dizer que fez tudo possível para evitar uma nova greve, culpar os sindicatos e patrões e salientar que lidou da melhor forma possível com um drama anunciado.
Tudo irá depender da intensidade do caos, mas é provável que uma grande quota-parte da culpa recaia nos motoristas. O direito à greve é um direito constitucional, mas ninguém é obrigado a apreciar a interrupção da tão merecida quinzena na praia ou na terrinha dos antepassados.
Numa altura em que namora uma maioria absoluta nas sondagens, face a uma oposição de direita que teima em dar tiros nos próprios pés, Costa quererá limitar tudo que possa interferir nesse grande objetivo.
O drama da greve dos motoristas até poderá ser contido, mas a polémica das golas ‘inflamáveis’ alastrou como um incêndio acelerado e poderá causar danos aos desígnios dos socialistas.
Dois ministros – Eduardo Cabrita e Augusto Santos Silva – tentaram pôr água na fervura, mas produziram efeitos contrários. O ministro da Administração Interna quis esbater a notícia, mas acabou por cometer uma gaffe sobre um microfone ser inflamável. O ministro dos Negócios Estrangeiros causou porventura danos mais sérios ao afirmar que seria um absurdo interpretar de forma literal a lei das incompatibilidades.
O ‘golagate’ fez, até agora, cair só um governante júnior, o adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil. Mas veio também mostrar novamente que os socialistas têm um péssimo vício na forma como lidam com as crises.
O problema, quase sempre, não é o alegado delito de compadrio, é a forma arrogante com que lidam com o assunto.
Perto das eleições, é brincar com um outro F, o fogo.