Quando, no ano de 711, Tarik ibn Ziyad atravessou as águas profundas do Mediterrâneo e penetrou no coração do cristianismo, o mar interior era a fronteira natural entre dois mundos que não se conheciam, não queriam conhecer-se e assumiam as suas especificidades como um apetrecho para o conflito.
Mais de 1.300 anos depois, o Mediterrâneo continua a ser a mesma fronteira do mesmo conflito – e o facto de os países muçulmanos que ocupam o Norte de África terem deixado de preencher as manchetes dos jornais ocidentais fica a dever-se apenas ao vozeirão das armas no Médio Oriente (logo ali ao lado) e não a uma qualquer estabilidade política que se tenha instalado na região.
Pelo menos em algumas regiões “as coisas ainda vão piorar muito”, na opinião de Miguel Monjardino, investigador e docente do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, para quem há pelo menos três respostas políticas diferentes em regime de teste naquela parte do mundo muçulmano.
Choque com a modernidade
A base dessas propostas é a mesma. “A pergunta é: como é que o mundo árabe sunita lida com a modernidade?”, disse ao Jornal Económico. E não apenas no que tem a ver com a resposta às aspirações das suas populações, mas também com os desafios colocados pelo relacionamento com as outras culturas.
E, para Miguel Monjardino, os sunitas – apesar de tudo bem mais propensos à modernidade que os xiitas – ainda não encontraram um modelo institucional sustentável. Não necessariamente democrático, faz notar, mas que sirva de base de convergência política e social. Era, aliás, a procura dessa base que estava por detrás, há cinco anos, do despertar da oposição na Síria: “Ao recusar negociar o contrato constitucional com os seus opositores, Bashar al-Assad acabou por lançar o país na guerra”.
Essa espécie de ‘dor de crescimento’ foi sentida um pouco em todo o mundo árabe e esteve na base do que o Ocidente decidiu chamar as primaveras árabes. E o facto é que, para já, não há, no Islão, uma resposta que tenha permitido a criação de uma sociedade com dinamismo suficiente para criar conforto, bem-estar e desenvolvimento económico.
Conflitos latentes
É neste quadro que Miguel Monjardino considera que a falta de notícias é, pelo menos para algumas regiões, meramente passageira. E que, mais tarde ou mais cedo, o mundo assistirá ao aumento da violência e, possivelmente, ao mesmo tipo de conflitos que arrastou a Síria para a situação crítica em que se encontra neste momento.
Para todos os efeitos, a região do Magrebe poderá em pouco tempo vir a ser mais uma zona de conflitos armados mais ou menos violentos – com os avatares do costume: aumento do número de refugiados a tentar atravessar as águas do Mediterrâneo; destruição das economias regionais; campo fértil para o crescimento dos extremismos; e a criação de novos grupos comprometidos com a violência e com a ‘exportação’ de ações terroristas para fora das fronteiras do Islão.