O Bloco de Esquerda (BE) pediu esclarecimentos ao ministro da Saúde sobre a transferência de competências de aquisição e distribuição das vacinas do Serviço Nacional de Saúde (SNS) para o sector privado.
Bloquistas querem saber quais as vantagens para o interesse público de tal medida que consideram ir “enfraquecer o SNS”. E, a confirmar-se a intenção do Executivo, pedem Campos Fernandes a sua reversão, criticando que a distribuição de vacinas seja entregue à Associação Nacional das Farmácias (ANF).
Numa pergunta dirigida Adalberto Campos Fernandes, que deu ontem entrada no Parlamento, o BE dá conta que teve conhecimento de que está a ser equacionada, pelo Ministério da Saúde, a transferência da competência de aquisição, distribuição e administração de vacinas do SNS para o sistema de saúde, que engloba também o sector privado.
“Está o Governo a pensar alterar o atual sistema de financiamento, aquisição e distribuição de vacinas transferindo-o do SNS para outras entidades, como a ANF – Alliance Healthcare?”, questiona o deputado bloquista Moisés Ferreira, pretendendo ainda esclarecer junto de Adalberto Campos Fernandes se, for esse o caso, se o Governo pondera também alterar o modo como está hoje implementado o cumprimento do Plano Nacional de Vacinação (PNV) e de que forma serão asseguradas a garantia do seu cumprimento, abrangência, generalização e gratuitidade.
Segundo o plano previsto, revela o BE, a distribuição de vacinas será entregue à Associação Nacional das Farmácias (ANF), do grupo Alliance Healthcare, passando as farmácias de oficina a constituir locais de administração e dispensa de vacinas. Além disto, avança, prevêem-se também alterações na logística e gestão da aquisição e financiamento das vacinas, centralizando-se estas competências na SPMS (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde).
O Bloco de Esquerda considera esta medida muito preocupante, uma vez que tornará alheias ao SNS as competências que permitem hoje a garantia do sucesso do sistema público de vacinação (através da generalização e gratuidade do PNV) ou do controlo de eventuais casos epidémicos (atente-se à situação recente do surto de Hepatite A), nomeadamente, a centralização da aquisição e distribuição das vacinas, algo que não se configura como mera complementaridade, mas sim um pilar da promoção de saúde pública”, lê-se na pergunta do deputado bloquista dirigida ao ministro da Saúde.
Moisés Ferreira afirma que “não se compreende quais as vantagens para o interesse público de tal medida, nem a sua possível justificação, a não ser o intento de enfraquecer o SNS, por via da entrega dos seus serviços ou, neste caso, competências fundamentais, ao sector privado de saúde”. Segundo o BE, atendendo ainda à atual discussão em torno da importância da vacinação das crianças e jovens, bem como da sensibilização dos pais para os “ganhos individuais e sociais” deste tipo de medida de saúde preventiva, a propósito dos recentes casos registados de sarampo, o partido liderado por Catarina Martins considera que “esta situação tem de ser clarificada e, a comprovar-se, revertida”.
O Bloco de Esquerda recorda que o SNS é hoje o responsável pelo sistema de aquisição e distribuição de vacinas, nas suas diferentes valências e em comunicação com as unidades de saúde públicas, em particular, a rede de cuidados de saúde primários, onde é assegurada a sua administração, cumprindo-se o PNV, bem como eventuais planos temporários de contenção epidémica, quando acionados em contextos específicos e sob orientação da Direção-Geral de Saúde.
O BE recorda princípios da universalidade e gratuitidade “Importa sublinhar o sucesso manifestamente reconhecido, nacional e internacionalmente, do Programa Nacional de Vacinação que, tendo sido implementado em 1965, veio a constituir um marco histórico importantíssimo na promoção da saúde pública, tendo contribuído de forma decisiva para a redução da mortalidade em Portugal, em especial da mortalidade infantil, e o aumento da qualidade e esperança média de vida”, salienta Moisés Ferreira na pergunta dirigida ao ministro da Saúde.
O deputado bloquista recorda o impacto “positivo” do PNV, alicerçado em campanhas nacionais e nos princípios da universalidade e gratuitidade, tornando possível a redução significativa da incidência e prevalência de várias doenças, ou mesmo a sua erradicação, alcançando-se taxas de vacinação sempre acima dos 90% (dados de 2015). Exemplifica aqui que, chegados a 2017, o PNV foi elaborado a partir de indicadores de saúde pública “muitíssimo relevantes: a varíola foi erradicada; a poliomielite, a difteria, o sarampo, a rubéola e o tétano neonatal foram eliminadas; muitas outras doenças, como é o caso da hepatite B, da tuberculose, da tosse convulsa ou do tétano, considera-se que estão controladas; e existem expectativas a assinalar quanto ao controlo do cancro do colo do útero (HPV)”.
Apesar de estes dados serem muito positivos e, em geral, garantirem imunidade de grupo, o BE realça que continuam a existir situações de não vacinação, o que, defende, “pode sempre levar ao ressurgir de casos epidémicos ou de doenças consideradas eliminadas, como acontece atualmente com o sarampo (com 31 casos registados)”. Para o BE, esta situação demonstra que mesmo com altas taxas de cobertura vacinal, é sempre preciso fazer mais, destacando a necessidade de continuar o trabalho em torno da sensibilização, informação e sinalização de pessoas não vacinadas, bem como o de reforço e valorização da rede pública de cuidados de saúde primários.
“Entre outras medidas, é preciso reforçar seriamente os recursos humanos em falta nestas unidades de saúde, generalizar-se o conceito de enfermeiro de família e também o trabalho de acompanhamento e proximidade com as famílias ou em rede com os sistemas educativo e social”, realça Moisés ferreira. O deputado bloquista recorda que o seu partido apresentou já várias iniciativas legislativas neste sentido, que concorrem também para a defesa e reforço do próprio SNS, como é exemplo o projeto de resolução que propõe várias medidas para aumentar a cobertura vacinal em Portugal, entregue em abril passado e aprovado na generalidade, e que se encontra em discussão conjunta com iniciativas de outros grupos parlamentares.